"Eu considero Guaraqueçaba um pequeno mundo dentro do mundo"
- Padre Mário Di Maria - (12/07/1974 - entrevista ao Jornal Diário do Paraná)

10 de junho de 2011

Canoa Caiçara - um povo e sua arte

        As canoas de um tronco só já são raridade, as madeiras mais usadas para a confecção de canoas eram a Guapuruvú (melhor, pois era branca, mole, porém apodrece mais rápido na água doce), Cedro, Timbuva, Canela-Preta, Urucurana, Guaricica, Guanandi, Canela-Garuva, Araribá, Caoví e Canela-Nhunguvira.
       Conhecimentos estes, desaparecendo, fente a fatores diversos, entre eles, a legislação ambiental.

       Inicio com a poesia de Carrigo, gravada no álbum "Vida Caiçara", do próprio artista, intitulado "Ubá (o último fazedô de canoa)" homenageando Sebastião Santos, Mestre Tião, de Serra Negra.

Ubá é uma canoa / feita de um pau só
Guapuruvu é árvore boa / que dá canoa feita de um pau só
Lá vai Mestre Tião / machadinha na mão
Vai fazendo a canoa / talhada num tronco só
Último guardião / mantendo a tradição
Último fazedô / da canoa de um tronco só
Mão do caiçara / Um dom natural
Tronco talhado / É canoa de pau.

Esta música foi trilha sonora do documentário "O último fazedô de canoa”, dirigido por Jussara Locatelli e Fernanda Morini, produzido pela Realiza Vídeo.
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Júlio Alvar, em 1979, observou o caiçara construindo sua própria canoa.
A seguir dois desenhos deste autor retratando esta arte.


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canoa ao mar
obra: Adailton Galdino (In Memoriam)
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construção de canoa de um tronco só
foto: Zig Koch
(reprodução / Direitos reservados)
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Construção de embarcação Baleeira
foto: Zé Muniz
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Canoa de um tronco só
foto: Zé Muniz
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Segue a entrevista com o Sr. Nivaldo Pontes Célio, 57 anos, morador da comunidade de Utinga, antigo construtor de canoa.

Zé Muniz: Como é que o senhor começa a fazer uma canoa?
Nivaldo: A canoa é no machado, né, tem que derrubar a madeira, que nem tem gente que trabalha com a motoserra, eu trabalho só com o machado. Derruba, tora, é difícil pra fazer, ...a motoserra hoje em dia é mais pra ajudar...

Zé Muniz: Qual é a melhor madeira pra fazer uma canoa?
Nivaldo: Olha vou falar bem a verdade a melhor madeira é cedro, depois tem a canela, Guapuruvu; Guapuruvuru não é madeira bom, poie é s a mais fraca.
Zé Muniz: Tem uma época de corta assim? Ou pode corta?
Nivaldo: Tem época, tem que ser na minguante, pra ficar bom tem que ser na minguante.
Rodrigo: O senhor usava a canoa pra ir até Guaraqueçaba antigamente, o pessoal usava?
Nivaldo: Usava. Todo mundo, primeiro era só na canoa, né, hoje ficou bom, hoje tem estrada aqui, primeiro era só na canoa. a depois tinha o caminho, e também o caminho né, passava um caminho e ia embora, vinha de Guaraqueçaba ia até o Batuva, até na divisa, lá. Aí depois que saiu a estrada tem um lucro, né; Hoje se a pessoa andar por aí não vê mais o caminho, fechou tudo.

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Rodrigo: Tem algum motivo pro senhor usar só machado?
Nivaldo: Não; Tem que ter machado, tem que ter enxó; Enxo-Goiva, Enxó-Chata: Enxó Chata é duas mão a Goiva é uma mão só.
Zé Muniz: Aprendeu com quem?
Nivaldo: Meu pai, meu pai trabalhava em canoa, eu era curioso né, um dia me convido pra fazer uma canoa, e fomo faze, Dae chegamo lá o que eu fiz, eu levei um papel, que eu tinha vontade de aprende, e a gente quando é novo tinha vontade de aprender tudo, depois de velho sim, daí já não adianta mais né. É que nem dirigir, eu tinha vontade de dirigir e hoje to dirigindo um pouquinho. Ent~so eu fui pro mato com meu pai, levei um pedaço de ápel, levei um papel, um pedaço de papel, um lápis, conforme o que meu pai fazia ali eu fui fazendo naquele papel, quando nós viemo de tarde eu tava com a canoa quase desenhada inteira, aí depois eu terminei de fazer a canoa com ele, mas o meu papel eu levei, anotei tudinho, aí depois fomo e fizemo mais outra, aí depois já fui faze sozinho, derrubei duas madeira e fui fazer sozinho. E depois que tava pronta meu pai passou lá: Nivaldo você tá fazendo canoa melhor do que já!
Zé Muniz: Como que fazia, ia no mato derrubava a madeira, e pra tira a canoa de lá?
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pescador ao mar em sua canoa de um tronco só
foto: Guto Lelo
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Nivaldo: Ah dae tem que fala com gente né, pra varar a canoa, né, conforme a canoa tem que ser 10, 12 pessoas.
Paulo: Varar que o senhor fala é tirar ela?
Nivaldo: é. varar é assim pegar e puxar ela. faze um caminho, faz uma piçada boa, e dae vai varar.
Zé Muniz: O senhor pagava as pessoas que ajudavam?
Nivaldo: Não, primeiro não pagava, hoje que tem o negócio de pagar gente pra trabalhar assim, de primeiro você fazia uma canoa era a coisa mais fácil, puxava podia fazer uma canoa numa serra dessa ai. chegava aquele dia você falava com gente todo mundo vinha só por causa de cachaça e fandango de noite. Hoje a turma já não gosta mais disso né, tem algum que gosta mais não é que nem antes, antes era bom, hoje em dia ninguém que mais trabalha meio dia de serviço, pra outro sem receber, já quer receber o dinheiro..
Zé Muniz: Chamavam as pessoas pessoas pra vara a noite e o senhor dava o fandango?
Nivaldo: Uhum.
Zé Muniz: Na casa do senhor assim?
Nivaldo: É
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canoas no porto de Guaraqueçaba
pintura de J. Maia / acervo: Hotel Eduardo I
foto: Leandro Diéguiz
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Canoas na Colônia de Superagui
pintura: William Michaud / direitos reservados
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Construção de canoa na Colônia de Superagui
pintura: William Michaud / direitos reservados
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Pescadores e suas canoas em Paranaguá
desenho: Deocir Gomes / foto: Zé Muniz
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"O Canoeiro"
obra de Onofre da Silva, premiada no II Salão Nacional de Cerâmica (2008) na categoria "Popular"
foto: Zé Muniz
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REFERENCIA:
A entrevista foi realizada por Zé Muniz, Rodrigo de Souza Graça e Paulo - bolsistas do programa Universidade Sem Fronteira, em parceria com o professor Marcel, do Colégio Estadual Marcílio Dias, pelo projeto "Traços culturais das comunidades tradicionais do litoral do Paraná e resistência frente ao avanço da modernização expropriatória impulsionada pelo capital" no ano de 2010.
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CD "Vida Caiçara" do Músico Carrigo.
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ALVAR, Júlio. ALVAR, Janine. Guaraqueçaba mar e mato. Editora da UFPR. Curitiba: 1979.

6 comentários:

  1. Olá leitores. Muitas pessoas entram em contato comigo, pois não conseguem postar comentários. Devem ter acesso/conta no Google para tal. Posto então um comentário que recebi em meu e-mail a respeito desta postagem e que o autor pediu para publicá-la:
    Pazzzzzzzz - Zé Muniz.
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    "Oi Zé. Muito boa a entrevista. Seria legal se tivesse uma foto da conversa!! É certo que a legislação ambiental pode ter contido um pouco a produção das canoas, por certa restrição ao uso da madeira ... mas também é bom lembrar que as 'madeiras-boas' também ficaram mais raras pelo corte excessivo para outros usos. Outra questão importante, é que alguns rios ficaram menos navegáveis, além da maior facilidade do acesso pelas estradas (como o S. Nivaldo até falou) entre outros fatores e mudanças culturais. Valeu. Parabéns!! Cecil Maya - Analista Ambiental da APA e ESEC de Guaraqueçaba - ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade)".

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  2. Oi Zé! parabéns pela matéria. E não precisa ter conta no google não. Quando for postar é só escolher a opção logo abaixo da caixa de comentário onde diz COMENTAR COMO: Ai seleciona Nome/URL e escreve o nome da pessoa que vai comentar. É fácil. Abraço e saudações fandangueiras!!!

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  3. Olá, Zé.
    Gostaria de sua autorização para colocar essa matéria (devidamente linkada e creditada, claro) no blog da APA de Guaraqueçaba. (apaguara.wordpress.com)
    Caso não tenha restrições, colocarei lá também essa entrevista que ficou muito interessante.
    Aguardo retorno.
    Ana Saupe
    APA de Guaraqueçaba
    ICMBio

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  4. olá. Está SIM autorizada, desde que creditada as devidas fontes, etc... os trabalhos que faazemos são para todos e que ótimo que podemos ser útil fazendo o que gostamos. agradeço a divulgação. pazzzzzzz

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  5. Sou paratiense. Vivi puxando canoa pra água e subindo no rolo pra areia... Isso é muito bonito!

    Que a cultura caiçara seja sempre preservada!!!

    Abraços a todos!

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  6. Parabéns sou caiçara e tento preservar
    Coisas de Caiçara Minha Pagina

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