"Eu considero Guaraqueçaba um pequeno mundo dentro do mundo"
- Padre Mário Di Maria - (12/07/1974 - entrevista ao Jornal Diário do Paraná)

19 de abril de 2010

M'BYÁ GUARANI - Tekoa Kuaray Guata Porã (Cerco Grande)

M’BYÁ GUARANI
por Zé Muniz

Neste dia 06 de abril de 2010, eu e Rodrigo, ambos bolsistas do Programa Universidade Sem Fronteiras fomos visitar, apesar do tempo ruim, o Cerco Grande, onde hoje localiza-se um TEKOÁ, uma comunidade com indígenas M’byá Guarani.
Fomos avaliar as condições após a informação que aqueles Guaranis pediam ajuda e contribuição com alimentos. Rodrigo também precisava conversar com o Pajé Faustino, pois necessitamos de conhecimentos da astronomia e constelações guarani, a repassar aos professores do colégio de Guaraqueçaba. Parte integrante do projeto que desenvolvemos.

Cerco Grande (2000)


Os Guaranis, conseguem "ser Guarani", viver de acordo com sua cultura na TEKOA. Em Guaraqueçaba, hoje se encontram na Tekoa Kuarai Guata Porã, local que conhecemos como Cerco Grande.
Na chegada, após desembarcar num porto muito escorregadio, com uma desativada ponte, madeira já em estado de podridão, encontramos o cacique Valdinei, com uma linha na mão, um pote com alguns carangueijinhos que acabara de “tirar” na mangue, fumando o “Petanguá” (cachimbo), seguindo a pescar e assim suprir as necessidades de sua família.

Cerco Grande (2000)
Cerco Grande (2000)

Valdine mora na primeira casa, no primeiro porto, distante dos demais M’byás do Cerco Grande. É o cacique, o responsável pela comunidade e fica “preocupado”, como diz, em saber das dificuldades e problemas enfrentados pela comunidade e pouco pode fazer para resolver.

Esta comunidade está sem embarcação, desde que a que usam afundou nas baias de Paranaguá. Então sem poder viajar, vender seus artesanatos e assim poderem suprir as necessidades das famílias com a alimentação.

Valdinei nos acompanha até as outras moradias, dizendo haver ali 12 famílias e cerca de 40 pessoas.

Para não ficar esquecido ou abandonado, possui um gerador que, como diz, foi comprado pelo fato de possuir um telefone celular e por não poder recarregar a bateria, o faz usando o gerador. Lamenta também estar com falta de combustível para alimentar a máquina. Além das incansáveis tentativas via telefonia, diz ter procurado o escritório da FUNAI em Paranaguá, mas em tentativas sem sucesso, pois diz não ter encontrado o responsável, mas acredita que este não quis recebê-lo.


Apesar das dificuldades aparentes, acredita ter melhorado a vida, com orgulho diz ter expulso do local aqueles que bebiam demais e incomodavam no bom andamento das coisas.

Há por ali muitas crianças, porém, lamentavelmente sem freqüentarem a escola. Até ano passado estudavam em Guaraqueçaba, e segundo a diretora, foram todas aprovadas, porém a promessa de escola bilíngüe na comunidade indígena não se concretizou e até este momento, as crianças não tem ido a escola nem recebido ensino na tekoá, o ideal, como acreditamos.

Ilha da Cotinga (2007)


Ilha da Cotinga (2007)

Cerco Grande (2000)

Seguindo pela trilha, em péssimo estado, comprometido pelas freqüentes chuvas ocorridas nos últimos dias, se tem acesso a algumas moradias, observa-se plantação de banana, poucas de cana, algumas também de mandioca; poucos animais como cachorros e algumas galinhas.

Ilha da Cotinga (2007)

Ao perceberem visitas, as famílias, após anuncio do cacique, trazem o pouco artesanato que possuem, esperando vender e assim arrecadar algum dinheiro. Na loja de Guaraqueçaba pouco vendem de seus produtos e no mercado de Paranaguá, onde se tem mais saída, não conseguem chegar. Problema da falta de embarcação.

Ilha da Cotinga (2007)

Numa outra trilha, exatamente subindo o morro do Cerco Grande, chegamos a casa do pai de Valdinei, o Pajé Faustino, que é visinho da OPY, a casa onde todas as noites realizam seus cantos e danças – rituais em louvor ao seu deus Naderu.

Cerco Grande (2000)

Dentro da OPY há um pequeno altar, ao lado um tronco pequeno com sobras de velas, e encostado nas paredes os instrumentos, como o violão, o “popiguá”, “maracá” e o “taquapu”. No fogo central, aceso a esquentar pedaços de ferro, a esposa de Faustino está a queimar pequenas peças de artesanato, com formatos de animais do cotidiano dos Guaranis. Há alguns balaios dependurados na parede, esta feita de estuque.

O Pajé Faustino ainda nos convida a visitá-los no momento de suas rezas e com ele tomar chimarrão, propiciando uma conversa.

A moradia de Valdinei é completamente cercada de bambú, chão batido, parece que dividido em dois cômodos, a entrada com o fogo de chão e o dormitório, ainda que próximo ao fogo houvesse uma “tarimba”, espécie de cama feita apenas com uma madeira como a servir de cama e colchão. Há algumas casas cercadas de madeira e de estuque, como a casa de reza.

Existe algum banheiro construídos recentemente em alvenaria. Também duas caixas d’água, instaladas pela SANEPAR, porém ainda não ligadas as moradias, o que esperam desde meados do ano passado, segundo relata Valdinei.

Para se chegar com mais facilidade, sem precisar percorrer as difíceis trilhas, pode-se atracar num outro porto, pouco mais a frente donde paramos e ter mais facilitado acesso as demais residências, visto que apenas o cacique mora afastado dos demais. Neste porto, pretendem construir a “Casa de Cultura”, onde irão concentrar os artesanatos de toda comunidade e ali receber visitantes.


Ilha da Cotinga (2007)


Mas para tal, como já possuem as madeiras, necessitam de ferramentas como furadeiras, pregos, martelos, serrotes, etc...

Se aos mais jovens existem tais complicações, difícil é a vida de “seu” Francisco (antigo cacique) e sua esposa “dona” Ana, anciãos, um já sem a vista e os dois sem perspectivas de melhores condições de vida para si e para seu povo.

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OBS: as fotografias aqui postadas referen-se a visita na Ilha da Cotinga em Paranaguá, bem como ao Cerco Grande em anos anteriores e na mais recente visita que fizemos e segue descrito.