"Eu considero Guaraqueçaba um pequeno mundo dentro do mundo"
- Padre Mário Di Maria - (12/07/1974 - entrevista ao Jornal Diário do Paraná)

16 de dezembro de 2009

Um francês em Guaraqueçaba

por Matthieu Binder

Eu sou francês, nasci perto de Bordeaux. Eu tenho um mestrado de Filosofia e um mestrado de ciências políticas. Eu estou aqui no Paraná com onze franceses para observar como funciona uma política pública do governo do Paraná, chamado "Universidade sem fronteiras". Este programa, muito inovador, tenta de fazer um trabalho inserindo a Universidade Federal e a comunidade (não empresas) que encontram dificuldades. O objetivo é de implantar um programa similar na França.

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Bonjour !

aluna da comunidade de Ipanema
foto: Matthieu Binder

Je suis français, je m'appelle Matthieu et je viens de m'installer à Guaraqueçaba pour deux mois. Je viens étudier l'action de l'université dans sa collaboration avec l'école, et tenter de voir si une collaboration de ce type est envisageable en France. Je suis très heureux de vivre ici à Guaraqueçaba, qui est un des plus beaux lieux que j'ai jamais vu ; grâce à la beauté du site sans doute, mais aussi et surtout grâce à la gentillesse naturelle des habitants. Cette congruence entre un site, une communauté et sa culture fait de ma vie ici une expérience sans comparaison.

aluna da comunidade de Utinga com os professores Luis Rogério, Joel e Zé Muniz
foto: Matthieu Binder

aluna da comunidade de Batuva
foto: Matthieu Binder

J'espère particulièrement découvrir les secrets de cette musique fandango et le sens qu'elle a encore aujourd'hui pour les caiçaras. J'ai pu observer la façon dont Muniz travaille avec les enfants de l'école sur la culture locale et je suis très touché par la tentative qui est la sienne. Quel avenir se prépare à Guaraqueçaba ? Personne ne le sait encore. Mais il est certain que des initiatives comme la construction d'une Casa do fandango, le travail avec les enfants, ce blog, plus généralement les liens naturels existant dans la communauté peuvent donner de l'espoir à tous.

foto: Matthieu Binder

J'espère échanger de nombreuses choses avec vous, et je vous souhaite à tous de continuer dans cette voie !

Viva o fandango ! Viva a cultura caiçara !

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recentemente recebi um vídeo produzido pelo Matthieu e sua equipe. Segue o link:





Muito obrigado por tudo !

14 de dezembro de 2009

Fâmulos de Bonifrates - 10 anos - um caso de amor por Guaraqueçaba !!!

por Zé Muniz

O Grupo Fâmulos de Bonifrates iniciou seus trabalhos no dia 14 de dezembro do ano de 1999, após conclusão da Oficina de Formação de Atores no Teatro de Formas Animadas e Educação Ambiental, com carga de 120 horas, concluídas com a montagem do espetáculo de bonecos “O Canto do Galo”, retratando histórias, lendas e o folclore musical caiçara, registradas em pesquisas durante o processo da oficina que fora ministrada pelo ator-bonequeiro Itaércio Rocha, integrante do Grupo Mundaréu, de Curitiba.


oficina de teatro de bonecos com Itaércio Rocha
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oficina de fandango com Mestre Anísio pereira

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Desde 15 de setembro de 1999, Zé Muniz e Ivan Araújo reuniam alguns alunos interessados na arte, professores apoiadores e lançaram a proposta da criação do “Grupo Colegial de Teatro Amador Marcílio Dias”, com alunos do colégio, porém as atividades nem bem começaram, já tiveram que acabar, por conta de empecilhos como a falta de espaço e inclusive a falta de apoio de alguns professores.


O Canto do Galo (Rio Verde)
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Guaraqueçaba já havia recebido um treinamento na arte bonequeira, sob direção de Clodoaldo Costa, por intermédio da SPVS, no projeto do Papagaio da Cara Roxa e que concluiu com a montagem do espetáculo “Juca e o Papagaio”, apresentado pelo Grupo Pirão do Mesmo, por muitos anos e em diversas comunidades.


oficina de rabeca com Mestre Anísio Pereira
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Aproveitando-se do abandonado Grupo Colegial de Teatro Amador, das pessoas que já haviam trabalhado com teatro de bonecos e das que acabaram de concluir a oficina de arte bonequeira, Zé Muniz e Ivan Araújo fundaram o Grupo Mamulengo Fâmulos de Bonifrates, estreiando seus trabalhos no dia 14 de dezembro de 1999, inicialmente com o lenço formado por Zé Muniz, Ivan Araújo, Maurício Galdino, Wagner Amorim, Rafael Sarubbi, Zeunir Cubes, Dudu Schotten e Marcelo Mendonça.

Como seria o nome do novo grupo? Contadores de Histórias? Historiadores de Guaraqueçaba?... Até que Ivan Araújo apareceu com um dicionário de sinônimos, propondo o nome FÂMULOS DE BONIFRATES, justificando que significaria “Criados dos Bonecos” (Fâmulos: servos, criados - Bonifrates: bonecos, fantoche), sendo acrescentado o nome “Mamulengo” em 10 de março de 2000 por nos reconhecermos com esta arte tão descrita pelo nosso Mestre Itaércio Rocha.


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“no Brasil existe ainda viva uma forma de teatro de bonecos praticada por artistas do povo que se denomina Mamulengo. Uma manifestação da sabedoria popular, acontece ao ar livre, à sombra de grandes árvores, nos largos das igrejas e nos pátios de feiras. Sua invenção, seu desenvolvimento e sua permanência ocorrem graças aos artistas populares, reconhecidos em suas comunidades como Mestres e denominados mamulengueiros, assim como seus bonecos são chamados de mamulengos, e a própria representação dramática, de brinquedo”. - Fernando Augusto Gonçalves – Curador da Exposição Mamulengo – O Boneco Brasileiro (SESI Bonecos do Brasil – 2005).
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Após o inicio da atividades, o Grupo perde sua sede, antiga casa da SPVS, onde já desempenhava funções o Grupo Teatral Pirão do Mesmo, ficando então sem um espaço fixo para reunir-se e ensaiar. Época em que guardam seus pertences nas casas dos integrantes e os ensaios acontecem nas praças de Guaraqueçaba.

Como um dos integrantes (Wagner Martins) ministrava aula de música no antigo Casarão do IBAMA, o Grupo recebeu autorização de tal órgão para guardar seu material cênico neste espaço, bem como usá-lo para ensaios e oficinas.

Com o intercâmbio com o Grupo ADC Siemns, o Fâmulos de Bonifrates recebe uma doação de materiais cênicos já aposentados pelo grupo curitibano, porém necessita de espaço próprio para guardar tal doação, bem, como ensaiar e pesquisar, produzir novos espetáculos. Foi quando, com o apoio do IBAMA através de Edmir Vidal Lopes, o Zil e o empenho de José Otávio Consoni, o Grupo Fâmulos de Bonifrates passa a utilizar o antigo espaço da SUDEPE (Superintendência de Pesca), já desativado a muito tempo, tendo sido ocupado pela Polícia Militar, Prefeitura Municipal, e já há muito tempo em completo estado de abandono.


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Tão logo a liberação do espaço, o Fâmulos de Bonifrates tratou de apropriar o espaço para receber seus espetáculos e oficinas, visto que as condições precárias do espaço não ofereciam condições mínimas de convivências e higiene.
Foram pintadas as paredes, reinstaladas as fiações elétricas, feito o piso do pátio central, e ali, concentrava-se agora, o único centro cultural de Guaraqueçaba, como o é ainda hoje.

Com o apoio, ainda que verbal ou tácito, do antigo IBAMA, hoje Instituto Chico Mendes, o espaço, que apenas servia como sede do Grupo fâmulos de Bonifrates, hoje abriga o Grupo Fandanguará, com jovens fandangueiros de Guaraqueçaba, a Associação de Fandangueiros do Município de Guaraqueçaba, o Banda Kaos, com jovens que pesquisam um repertório musical brasileiro, além da Casa do Fandango, um Ponto de Cultura, financiado pelo Governo Federal, transformando-se num verdadeiro, e antigamente sonhado, hoje realidade, centro cultural, onde além de exibições de filmes, é realizado oficinas, acesso gratuito de internet, espaço de bailes de fandango, exposição permanente e temporária sobre tradições caiçaras, ensaios, apresentações de bonecos, além de espaço para reuniões da Associação ou do Encontro de Fandango e Cultura Caiçara, realizado pela Associação de Fandangueiros nos anos de 2006 e 2008.
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Espetáculos

Nestes 10 anos de trajetória cênica, o Grupo Fâmulos de Bonifrates contabiliza mais de 300 apresentações dos seus 10 espetáculos, entre eles, “O Canto do Galo”, “Contos de Dante”, “Farinha Vs. Cuscuz”, “Kd Vc Perereka”, “O Boi e o Burro no caminho de Belém”, “Rainha dos Caiçaras”, “É pra Kebrá Mossada” e “Auto de Guaraqueçaba”, apresentados nos mais longínquos e distintos lugares, como Ilha da Cotinga, Barra de Ararapira, Ilha das Peças, Ilha de Superagui, Medeiros, todos em Guaraqueçaba, além de Paranaguá, Antonina, Guaratuba, Matinhos, Caiobá, Curitiba, São José dos Pinhais, Pinhais, Quatro Barras, Araucária, Campo Largo, Irati, Fernandes Pinheiro, Faxinal do Céu, Toledo, Cascavel, Ponta Grossa, Cananéia (SP).


Rainha dos Caiçaras

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“Fazer Arte é um ato solitário. Solidão, por que muitos dizem fazê-la, mas poucos a realizam. É desesperador, para mim, pelo menos, assistir teatro e não encontrar teatro. E, em vocês, não sei por que conformação astral encontrei um teatro abundante. Por essa razão quero fazer minha Declaração de Amor a vocês. Quero chuva de flores sobre vossas cabeças. Quero-os elevados, de corações inspirados em júbilo e satisfação de fazer um trabalho efêmero, mas parte de um trabalho duradouro (tão durável como que d’ouro) que é emocionar a platéia. Essa rapaziada de Guaraqueçaba! A vocês peço um: Tornem-se os maiores Mamulengueiros do sul. E digo dois: Já vi dez, vinte, trinta fandangueiros, mas quando vocês sobem nessas “baquetas pedais”, transcendem, não são vocês; são deuses do mar batendo por todos os tempos. Espantando o Mal, sim, sim, sim! E se um dia o diabo tomar minha casa e dr. Freud não der conta: Exorcizo com vocês. Sabem o que vi? Reis despachando Éditos: Mande-lhes Anu. Vejo um outro começo da Era, de gente fina, elegante e sincera...É verdade! Mas a coisa que mais me alegra, é ver que aqui, estamos crescendo, que estamos nos incomodando, que não queremos envelhecer (pois a velhice e por fim a morte é desistir). E isso me faz ver que existe um Movimento verdadeiro, não um movimento de Aptb ou sindicato, mas um mover de Arte, de Criação. Não um mover para cachê; e isso vem matando algo que é muito precioso. Por que vejo combate para ganhar dinheiro, e só agora, o combate por um bom teatro. Isso me faz querer fazer parte desse Mover Por Teatro. Pois deixei de ser de uma classe reivindicando melhores condições salariais – Essa Luta Não faço! Pelo que vocês me fizeram. Pelo que eu acredito. Eu os amo!”. (Jorge Miashyro – quando da participação do Fâmulos de Bonifrates no X Festival Espetacular de Teatro de Bonecos, em Curitiba).
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com Itaércio Rocha no Festival Espetacular de Teatro de Bonecos (Fundação Teatro Guaíra)

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CRONOLOGIA:

1. 2000. Com o Espetáculo “O Canto do Galo”, o Grupo vai à Curitiba apresentando-se na Semana do Meio Ambiente e logo em seguida no Teatro Guaíra para bonecos e no retorno, um novo espetáculo é montado visando o aniversário de Guaraqueçaba, “Os Contos de Dantes”. Mais tarde, na comemoração dos 500 Anos de Brasil, é montado o espetáculo “Guaraqueçaba 500 Anos de Brasil”. O grupo vence, com o espetáculo “Farinha Vz. Cuscuz” o III Festival de Arte Estudantil de Paranaguá, com apoio do Colégio Estadual Marcílio Dias, no qual Ivan Araújo ganhou como melhor ator do festival. Em novembro o grupo é convidado a participar do 3º Seminário Vem Ser Cidadão, realizado em Faxinal do Céu, evento contando com mais de 1.200 jovens de vários estados brasileiros e de países latino-americanos e em Dezembro é comemorado no Salão Paroquial, o 1º ano do grupo com apresentações dos espetáculos “Os Contos de Dantes”, “Farinha vs. Cuscuz” e “O Boi e o Burro a caminho de Belém”, concluindo o ano com 44 apresentações.


campeões do III FAEP Festival de Arte Estudantil - Paranaguá

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2. 2001 - Voltando das férias de fim de ano, com limpeza e lavagem do Centro Cultural Fâmulos de Bonifrates (ou Rancho Mamulengo Fâmulos de Bonifrates), o grupo grava para o Globo Repórter em fevereiro e também para TV Educativa em março e nesse mês estréia o novo espetáculo “Os Turrões”, sendo levado a Faxinal do Céu, bem como apresentado em Guaraqueçaba. Em julho o grupo se apresenta com o espetáculo “O Canto do Galo” no Teatro de Bonecos Dr. Botica e também no X Festival Espetacular de Teatro de Bonecos, realizado pelo Centro Cultural Teatro Guaíra, conseguindo profissionalizar José Carlos, Ivan e Eduardo, tornando-se membro da APTB (Associação Paranaense de Teatro de Bonecos). Com a SPVS, o grupo percorre várias comunidades insulares, participando do Programa Papagaio de Cara Roxa, apresentando a peça “Juca e o Papagaio”, a partir daí incluída no espetáculo “O Canto do Galo”. O Grupo é convidado a ministrar a Oficina de Iniciação a Arte Bonequeira, em Fernandes Pinheiro – Floresta Nacional de Irati, com 30 horas de iniciação, sendo criado 04 peças: Grupo Araucárias com a peça “Lenda da Gralha Azul”, Grupo Tulicas com a peça “Índia Nara”, Grupo Tatu Bolinha com a peça “Bacon com Calabresa” e o Grupo Raízes com a peça “Noite de Espanto”, todas voltadas à história local. Retornando é estreiado no Salão Paroquial um novo espetáculo - “KD VC Perereka?” – trazendo toadas de Boi de Mamão, a lenda do Salto Morato, músicas de Fandango, Romaria do Divino Espírito Santo e uma lenda de Fandango, levando este mesmo espetáculo para o Festival Folclórico de Juventude, em Toledo. Em Novembro, a participação no 4º Seminário Vem Ser Cidadão em Faxinal do Céu, apresentando Cacuriá e Fandango, passando, o grupo, a integrar o Centro de Protagonismo Juvenil. Em dezembro, comemorando o 2º aniversário, é realizada a estréia do espetáculo “Rainha dos Caiçaras” contando as lendas de aparição da imagem de Nossa Senhora do Rocio - Padroeira Perpétua do Paraná. Com a ida de Sarubbi para Curitiba, o Mamulengo assumiu o Projeto “Nosso Pixirum”, idealizado por Rafael Sarubbi e José Carlos Muniz, um informativo voltado à juventude, relatando de forma divertida, assuntos sobre cultura e notícias sobre a comunidade. Neste ano, o grupo se apresentou por 49 vezes.


Waldomiro

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3. 2002 - No Aniversário de Guaraqueçaba o Mamulengo organizou a Exposição Fotográfica “Fatos e Atos”, abrindo visitação monitorada, contando a história da cidade aos estudantes, moradores e turistas. Em Julho, no XII Festival de Inverno de Antonina, realizado pela UFPR, é apresentado o espetáculo “Rainha dos Caiçaras”, se fazendo presente também no XI Festival Espetacular de Teatro de Bonecos – Teatro Guaíra e no 1º Oh! Fineco – realizado pelo Grupo Mundaréu e Nego Chico Produções. Em agosto, dessa vez em Faxinal do Céu, novamente no Festival Folclórico de Juventude. Em Outubro, o Mamulengo é representado por Dudu Schotten no 4º Fórum de Protagonismo Juvenil em Curitiba, depois o grupo no 5º Seminário Vem Ser Cidadão em Faxinal do Céu. Este ano foi encerrado com a remontagem da peça “Farinha vs. Cuscuz”, no Salão Paroquial, inscrita e selecionada no Projeto “O Paraná é o Palco”, visando um incentivo para a montagem do espetáculo e apresentação no Parque da Ciência.


Farinha Vz. Cuscuz - Projeto Palco Paraná (estréia em Guaraqueçaba)
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O Canto do Galo (Barra de Ararapira)

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4. 2003 – No mês do carnaval, é montado o Bloco “Brilho do Manguezal”, saindo com temas pelas ruas da cidade, bonecos, homens vestido de mulher, mascarados, ridículo, etc... Em julho no 13º Festival de Inverno em Antonina, seguido de apresentação em Curitiba no XII Festival Espetacular de Teatro de Bonecos – Teatro Guaíra. Seguem-se apresentações no Teatro de Bonecos Dr. Bottica em Curitiba e em novembro, a estréia de “Farinha Vs Cuzcus” no Parque da Ciência em Quatro Barras, no Projeto “O Paraná é o Palco”, tendo neste ano 36 apresentações.


Brilho do Manguezal 2009

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5. 2004 – O espetáculo “Kd Vc Perereka?” é apresentado nas Férias Animadas no Teatro Guaíra. Em março, Guaraqueçaba recebe na festa do município, um espetáculo de danças folclóricas “É pra Kebrá Mossada”. No mês de julho o espetáculo “O Canto do Galo” e “É Pra Kebra Mossada” são apresentados no FERA – Festival de Arte da Rede Estudantil, etapa leste, em Paranaguá, seguido de apresentação no XII Festival Espetacular de Teatro de Bonecos em Curitiba, pelo Teatro Guaíra, encerrando o ano com um baile de fandango na comunidade de Rio Verde, somando 33 apresentações.


Contos de Dante (Aniversário de Guaraqueçaba)

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6. 2005 – O grupo e amigos convidados recebe com apoio da SPVS, mais uma oficina ministrada por Itaércio Rocha, tendo percussão e canto por Melina Mulazanni e aulas de Rabeca por Daniella Gramanni. No final foi montado o espetáculo “Auto de Guaraqueçaba”, apresentado em algumas ilhas, na Lapa e Curitiba. Em maio, no auditório do Museu Oscar Nyemeir, o grupo participa do filme “Paraná de todas as Gentes” da Provopar – Programa do Voluntariado Paranaense, vídeo mostrado no Ano do Brasil na França, exaltando o artesanato do litoral paranaense. Em junho, participando do projeto “Museu Vivo do Fandango”, o grupo faz um levantamento dos fandangueiros da região e a peça “Auto de Guaraqueçaba” é gravada em cd. Ainda, contendo cenas filmadas em ensaios do Fâmulos de Bonifrates no mês de julho, o diretor Pedro Novaes, lança os documentários “Quando a ecologia chegou” e “Democracia in natura”, pela Cora Filmes.


oficina para o Auto de Guaraqueçaba
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Oficina de rabeca para o Auto de Guaraqueçaba
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Guará, Anú e Paco - Auto de Guaraqueçaba

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7. 2006 – No primeiro dia do ano, o espetáculo “É Pra Quebra Mossada” é apresentado na praça em Guaraqueçaba e ainda neste mês, em Antonina, no projeto Paraná Fazendo Arte – Programa Viva o Verão. O bloco “Brilho do Manguezal” volta as ruas, animando o Carnaval de Guaraqueçaba. Em maio, na comunidade Rio Verde, a peça “A História do Peixe” do espetáculo “O Canto do Galo” é apresentado, pelo Programa Paranização – Teatro Guaíra, no lançamento do vídeo - documentário sobre o Amargoso. No mês de julho, o “Auto de Guaraqueçaba” vai ao 15º Festival Espetacular de Teatro de Bonecos - Teatro Guaíra e também se apresenta no 16º Festival do Inverno da UFPR em Antonina. Logo em seguida a peça abre o Encontro de Fandango e Cultura Caiçara em Guaraqueçaba, no lançamento do Projeto Museu Vivo do Fandango.

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8. 2007 – O Fâmulos de Bonifrates iniciou seus trabalhos neste ano em Paranaguá, apresentando “O Canto do Galo”, nas dependências do SESC por motivo da colônia de férias, seguido do “Auto de Guaraqueçaba” em Guaratuba na programação “Viva o Verão Cultural” e na mesma semana no aniversário de Guaraqueçaba. Ainda esteve em Curitiba no mês de março nas comemorações do aniversário da cidade, o espetáculo “É Pra Quebra Mossada” na festa junina em Guaraqueçaba estreou o novo trabalho do grupo “Fandanguará”. No 16º Festival Espetacular de Teatro de Bonecos – Teatro Guaíra – em Curitiba, o grupo fez a abertura com a peça “Auto de Guaraqueçaba”, seguindo para apresentar-se no 17º Festival de Inverno em Antonina, no evento “Mutirão Pró Vida”. No final de julho, na comunidade do Rio Verde, o grupo realizou um baile de Fandango no 32º ENCA – Encontro Nacional de Comunidade Alternativa. No mês de agosto foi realizado a “Oficina de arte e cultura popular” para professores no Encontro Pedagógico em Guaraqueçaba. Em Curitiba, oficina de fandango na rua da cidadania para a Fundação Cultural, participação no show do Grupo Mundaréu, também no espaço de bonecos Dr. Bottica além de se apresentar no “Seminário de Patrimônio Imaterial”. Já em Paranaguá está no SEMHIS – Seminário de História com a peça “O Canto do Galo”. Em Ponta Grossa no IV FERA o “Auto de Guaraqueçaba” foi apresentado e “O Canto do Galo” no evento “Estética e Poesias Culturas Tradicionais e Populares”.


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9. 2008 – O ano inicia com apresentações para o projeto do Governo Estadual Viva o Verão em Guaraqueçaba e também em Caiobá no evento “Ritmos do Paraná” e em Curitiba com o espetáculo “O Canto do Galo”. O Grupo recebe um prêmio de Cultura Popular e planeja a gravação em cd do espetáculo “Auto de Guaraqueçaba”. Se apresenta na “Feira das Profissões da UFPR” em Matinhos, Festa do Espírito Santo na Ilha dos Valadares, apresenta-se com a Família Pereira em Guaraqueçaba e no II Encontro de Fandango e Cultura Caiçara participa com o espetáculo “Auto de Guaraqueçaba” e o “Grupo Fandanguará”. Neste ano, a sede do grupo, torna-se a sede também da Casa do Fandango, quando ali foi implantado um Ponto de Cultura, pelo Governo Federal e Ministério da Cultura.


oficina de cultura popular para professores da rede municipal de educação de Guaraqueçaba

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10. 2009 – o ano inicia com apresentação no evento “Ritmos do Paraná”, promovido pelo SESC Paranaguá, no município de Caiobá e em fevereiro tem-se a volta ás ruas do Bloco Brilho do Manguezal, quando também, no Superagui tocam e dançam nas noitadas de fandango no Bar AKDOV. No mês de maio, no Estúdio Gramophone, o “Auto de Guaraqueçaba” é lançado em cd. O grupo ainda se apresenta neste ano na cidade de Cananéia por ocasião da II Pegada Cultural. Intensificam-se as apresentações do Grupo Fandanguará, bem como as atividades voluntárias na Casa do Fandango. Iniciam os ensaios com jovens, visando recomeçar um outro elenco que ainda resida em Guaraqueçaba, visto a dificuldade de alguns acompanharem o trabalho.


gravação do Auto de Guaraqueçaba em Cd
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Auto de Guaraqueçaba
foto: Felipe varanda
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GUARAQUEÇABA, MESTRES, ATORES, PESQUISADORES, BONEQUEIROS, ARTISTAS, ARTESÃOS, AMIGOS... SÓ NOS RESTA AGRADECER
MUITO OBRIGADO

REFERENCIAL:
MIASHYRO, Jorge. "Declaração de amor". Escrito por ocasião do X Festival Espetacular de Teatro de Bonecos, em Curitiba.
MUNIZ, José Carlos. Fâmnulos de Bonifrates... vivencias! obra do autor. inédito.
GONÇALVES, Fernando Augusto. texto sobre a exposição de sua curadoria. "Mamulengo – O Boneco Brasileiro". SESI Bonecos do Brasil – 2005.

10 de dezembro de 2009

Parteiragens e benzimentos - sabedorias caiçaras

por Zé Muniz

Numa região em que o acesso ainda (em tempos modernos) é difícil e restrito, não é de se assustar o fato de que em muitas comunidades, os doentes e feridos recorram aos cuidados de benzedores e curandeiros para as mais diversas enfermidades, ainda que atualmente em decadência, era este o único auxílio nas redondezas até bem pouco tempo atrás.



Chegada na Barra de Ararapira
foto: Zé Muniz

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O Jonal Maré de Lua, publicado há alguns anos atrás pela SPVS, trazia o seguinte relato sobra a parteiragem na Barra de Ararapira:

"nascida na Barra do Ararapira, ela tem 70 anos e fez seu primeiro parto aos 35, um ofício que aprendeu com sua mãe. Setenta - esse é o número de crianças que Genésia já ajudou a nascer e, como faz questão de ressaltar, sem cobrar nada. Toda essa experiência permitiu que adquirisse amplo conhecimento sobre todos os procedimentos que envolvem um parto realizado em casa. Cuidados com a higiene, misturas de ervas e alimentos corretos para ajudar na recuperação da mulher e diferentes tipos de simpatias que, conforme contam os mais antigos, garantem a saúde da mãe e do bebê. Segundo Genésia, o parto mais difícil que já fez durou dois dias e duas noites. Mãe e filho sobreviveram. Graças a Deus, nenhum neném nunca pereceu na minha mão., conta ela, que tem 9 filhos. "Muitas crianças que ajudei a colocar no mundo me pedem a benção até hoje". "Elas são, como diz a expressão, meus netos de umbigo", completa".

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no ano de 2004, em conversa com Dona Genésia Cunha, na comunidade de Barra de Ararapira, pude registrar alguns segredinhos sobre seu conhecimento, afirmando ela já ter realizado 70 partos, possuidora que é de um conhecimento que aprendera com sua mãe e sua tia, antigas e reconhecidas parteiras da região. Dona Genésia tem “neta de umbigo”, como chama as pessoas que trouxe ao mundo, na Barra de Ararapira, em Iguape, Matinhos...
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"nunca pensei em ser parteira, isso vem de Deus, quando ele quisé. Minha mãe começo a conta como era assim pra mim, porque antigamente ninguém sabia de nada, hoje em dia tudo mundo sabe. Minha tia desde o tempo que ela cuidou de mim, então ensinava tudo os pontos.Eu não tinha medo, com fé em Deus ficava só esperando Deus pôr em minhas mãos pra mim trazê ao mundo. Quando nascia só eu via, depois de tudo terminado eu contava se era menino ou menina pra mãe. Depois a família via. tem o remédio que fazia quando ele vinha na minha casa pra fala comigo, falava e marcavam comigo, marcavam a data e depois daquele eu não podia sair pra parte nenhuma, ficava só esperando né. As vez chegava meia noite, de madrugada em casa, podia tá chuva ou vento, tinha que ir mesmo, saia debaixo de chuva, de tempo mesmo, as vez quase morria. Eu usava só uma tesoura pra corta umbigo, mais nada. Mede 03 dedinho assim no cordão, amarra e corta, passava 2, 3 dias e já cai. fazia um banho bem forte com água e sabão virgem, sem uso. Em croca era lavado as mulheria nas cadera, barriga aí você olha no ponto pra vê que jeito tava.Depois daquele banho aí se o tempo demora muito, pegava um pano da cozinha esquentava pra passa na barriga da mulher, aí vem a dor. Nessas alturas já veio muita criança na minha mão".

Dona Genésia e seu esposo João Martins (In Memoriam)
foto: Zé Muniz
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Os remédios que fazia era Pé de Galinha né feito chá, também algodão pra banho é, não é muito aqueimado as vez dava vinho quente senão chá de Abuto, de Sene, fervida pra não fica parado, a menstruação descer certo né. Cozinhava Abuto, senão Sene, colocava um pouco de açúcar e fervia. Antigamente elas usavam pinga pra mulheria tomá. Meu, de vontade mesmo era ficar 03 dias no quarto a mulher, a criança saia 08 dias do quarto, pra não fica amarelo. Se a mãe era forte, 03 dias e saia tudo forte sabe, forte e com saúde. Não pegava vento, que eu não deixava. Esse foi o ensino que minha tia e minha mãe me deu, e por isso graças a Deus nenhuma criança morreu na minha mão.

Genésia e sua neta
foto: Jornal Maré de Lua. 2005.
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Cuidei de criança nascida de pé, nascida de bundinha, e cuidei de criança de 02 gêmeos sabe. Das mãe também cuidei, ajudei. O mais difícil foi o da minha filha, deu problema e ela ia ganhá em médico mais ela tem muita fé em Deus e Nossa Senhora, então foi na minha mão que nasceu, hoje tá moça com saúde.
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comunidade de Barra de Ararapira
foto: Zé Muniz
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Eu tinha minhas oraçõezinhas. Antes da criança tem négócio, o dianteiro né, adepois tem outro, sabe que acompanha a criança. Aquele último que é perigoso, se nasceu com complicação alguma coisa então nós dava remédio pra nasce criança sadio. Sabia de tudo o que ia fazer. Aquele troço é preparado. A gente da banho na criança, cuida da criança, da mãe pra ficá com saúde. Esse tipo de serviço a gente fica muito feliz com Deus porque deve a Deus. Nada sem Deus neste mundo.
Depois de tudo pronto, os pais podiam entrar. Só na hora eu não aceitava ninguém, somente eu e Deus, as vez alguma mulher que eu queria muito bem. Fiz muito trabalho, muito mesmo. Só Deus pra me pagar. Nunca ganhei nada meu filho eu nunca trabalhei pra ganhá. Se o cara fosse me agradecer eu pegava, mas pelo serviço eu nunca fiz. Eu conhecia criança que ia nascer com cadera pra cima, conhecia quando de barriga pra baixo, se vinha de pé eu conhecia tudo. No primeiro parto que fiz, eu tava sozinha, a menina mora lá em Paranaguá. Eu não tinha medo, tinha muita fé em Deus, tenho uma afilhada que dizia: “Quando a senhora faz o parto alivia a dor, pra mim”. Nunca tive medo sempre tive muita coragem. Graças a Deus com muita fé em Deus e Graças a Deus deu tudo certo, as mulher que trabalhei. Hoje faço um trabalho só se for de precisão muito grande né. Eu não posso mais, um que já quebrei meu braço, só na grande necessidade, se não tem outro recurso né. Daí sô obrigada. Não pode deixar uma mulher perecê aí né. As vezez tava deitada na cama quente vinha me chamar, tinha que sair na chuva, metê a mão na água do banho que tava quente, tudo vai matando uma pessoa aos poucos né. Se a mulheria tinha mãe eu só fazia o serviço e ia embora, e se não tinha eu ficava e fazia as coisas lá, cuidando da pessoa né, as vez ficava 02, 03 dias. Eu trabalho com meus segredos. Eu mesmo guardo meus segredos. Nunca andei contando meus segredos pra ninguém. Agora pra minha filha eu conto. Pra ninguém fica alarmando falando das coisas. Mais que isso eu não posso falá”.

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ACRÉSCIMO DIA 04/10/2013

faleceu ontem D. Genésia Cunha Martins...

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Benzedeira (peça em argila de Gilson Crespo Anastácio)
foto: Zé Muniz
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A benzedeira Dona Ester (Ilha Rasa)
uma das mais reconhecidas benzedeiras da região, a falecida Dona Ester, que residia na Ilha Rasa, recebia principalmente crianças de toda a região, inclusive de Paranaguá.
Em depoimento ao filme “Terra do Mar”, Dona Ester conta alguns de seus segredos.

“Pois quando eu aprendi a tratar do povo, aprendi com meus pais. Foi com erva medicinal dos mato. Este aqui (mostrando a planta) é pra inchaço de dente sabe, quando tá aquela bola no rosto assim, a pessoa cozinha a folha e faz o gorgorejo na boca. Este aqui (mostrando outra planta) é pra amarelão e este aqui.

(mostrando uma outra planta) é pra ferida braba.

Pois eu sempre saia tratar dos doentes, as embarcações vinham aqui me buscar, dias que eu ia e dias que vinha o doente em casa pra mim cuidar.

(Fazendo carinho e tratando de um bebê, falando pra mãe dele)

Ele tá com febre, agora você pode dar o soro pra ele e depois eu faço um lachanteiro de Maná com Rosa e Erva Doce pra você dar pra ele, mas primeiro vai dar o soro pra ele, que ele tem muita sede.

(Sobre os seres místicos que a ajudam)

na noite de ano eu sempre tô na maré trabalhando, dando os meus despachos pro povo do mar, que é pra Sereia do Mar, Ogun Beira Mar e Seu Sete Ondas. Pra Sereia do Mar eu despacho um barquinho com o bolinho dela, o perfume dela, as coizinhas dela e pro Seu Sete Ondas eu solto uma cerveja porque é o que ele toma e pro Marinheiro do Mar eu dou uma colher de mel pra ele comer, na água, e aí eu faço meus despachos e trabalho e sou ajudada por eles.

(sobre as ondas do mar)

A falação do mar tem segredo, agora os segredos do mar não é todas pessoas que compreendem, que entende, porque conforme que vem aquelas marolas, que ela bate na praia e volta pra traz, alí ela tras o segredo dela e a pessoa precisa ficar na praia, sentada, pra descobrir o segredo dela, bem concentrada e olhando pras águas ou vem bem comprido, ou vem atravessado, ou vem embolado, aí a pessoa tem que prestar bem atenção o que é que ele traz naquilo. Quando ela bate na praia, ela bate e volta, no ela voltar, precisa olhar como ela vai voltando, o que é que ela está deixando por escrito.
(Reclamando da falta de interesse em aprenderem seus conhecimentos)

Meus estudos ninguém quis, ninguém qué aprendê o que eu sei, então o que é que devo de fazer? Devo de fazer é que quando eu morrer, entregar pra quem me deu, devorta”.
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gaivotas em Barra de Ararapira
foto: Zé Muniz

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LANGOWISKI em seu estudo sobre o litoral do Paraná, descreve mais alguns conhecimentos acerca da parteiragem:

"quando a criança demorava a nascer colocava o chapéu do marido na cabeça da parturiente e enquanto esta fazia força para ajudar o trabalho do parto, o marido devia dar várias voltas correndo em torno do rancho. Depois de nascida a criança, se a placenta não era expelida em seguida, fazia no dia seguinte "simpatia": - A parturiente era colocada em posição de cócoras; diante dela a uma certa distância, uma pessoa segurava uma vela acesa que devia ser apagada pela parturiente com um sopro forte. Apagada a vela a parturiente dizia - "Valha-me Santa Margarida, que não estou prenha nem parida". Acendia novamente a vela repetindo a cerimônia por três vezes consecutivas”. LANGOWISKI.

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A parturiente que tivesse qualquer tipo de febre (recaída) era tratada com chá de praturá (gramínea do gênero Spartina - existentes nas margens dos rios com vegetação de mar), devendo tomar 9 banhos com folhas de algodoeiro cozido, para endireitar o corpo.

Uma das recomendações dadas, era que jamais comesse, enquanto grávida, banana incõem (que vem junto com outra grudada), pois seus filhos poderiam nascer gêmeos ou mesmo com algum tipo de deficiência.

Após nascido, não podia visitar o recém nascido no seu 7º dia, caso você não o tenha visto, evitando assim o quebranto (azar).

Para livrar o pequeno dos ataques de verminoses, colocavam dentes de alho enfiados num fio de linha, ao redor do pescoço da criança e quando aparentasse nascer sua primeira dentição, colocavam no pescoço da criança, um colar com sementes de “Guapuruvu”, pois assim acreditavam, que fosse evitar a inflamação das gengivas, podendo também fazer um “Patuá”, onde se coloca uma oração, escrita num papel, dobra e costura dentro de um saco de pano, pendurando depois no pescoço da criança.

Caso fosse sair de casa, sem levar o neném, deve-se pôr uma tesoura em forma de cruz na cabeceira da cama em que estiver o recém-nascido deitado, caso contrário a bruxa vem chupar o sangue do nenêm pela moleira e pode lhe causar amarelão. Esta bruxa pode vir também em forma de pessoas conhecidas, portanto não era permitido deixar a criança sózinha enquanto esta não fosse batizada.
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REFERENCIA:
* LANGOWISKI, Vera Beatriz Ribeiro. “Contribuição para o estudo dos usos e costumes do praieiro do litoral de Paranaguá”. Edição do Conselho Municipal de Cultura. Paranaguá.
*MUNIZ, José Carlos. “Guaraqueçaba Um Pequeno Mundo Dentro do Mundo”. Obra inédita. Do autor.
* SPVS. Jornal Maré de Lua. edição número 03 - fevereiro de 2005.

VÍDEOS:
• CARON, Eduardo. MARTINELLI, Mirella. “TERRA DO MAR”. Bad Company Film Prod. Colorido. 81 min. 1997.

AGRADECIMENTOS:
José Hipólito Muniz, Alziro Pedro, Genésia Cunha.

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acréscimo em 03 de janeiro de 2017
a entrevista citada foi publicada no artigo "Mais que isso não posso falá: notas sobre benzeduras e parteiragens caiçara em Guaraqueçaba-PR"

13 de novembro de 2009

da Mandioca à Farinha - pirão, bijú e cuzcuz

por Zé Muniz
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Mandioca, Aipim ou Macaxeira, como também é conhecida, está intimaente ligada a alimentação Caiçara, herança direta dos indígenas que contribuiram com a formação desta raça.

Mbyá Guarani (Ilha da Cotinga) - plantação de rama de mandioca
foto: Zé Muniz
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Seu Alcides (In Memoriam) e Dona Isabel - ralando mandioca
foto: acevo da família Martins
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os povos indígenas acreditam que a planta nos foi deixada por influência dos deuses, relatado a seguir:
“o morubixaba tinha-se entregue ao desacanso conferido aos velhos. A mulher tratava da cozinha, escalava o peixe, enfileirava-os nas embiras do fumeiro, moqueava a caça e punha-a de reserva na gamela, para que não faltasse alimento nos maus dias de chva ou de prolongada estiagem. A filha, de ânimo sossegado, elevava a existência singela de outras jovens da tribo. De manhã e de tarde, atravessava a nado o ribeirão, sob os ramos inclinados dos ingazeiros. De volta, trazia frutos e flores, não raro uma cabaça de mel colhido no ôco de um pau. Em casa, tirava as fibras do tucum, fiava e, mediante uma agulha feita de taquara, tecia redes para a pesca. Tratava da arara, cumulava-a de blandícias e de coquinhos verdes. Confeccionava belas redes de repouso, vistosos cocares de penas para os moços da taba, e quando não tinha mesmo nada que fazer, repetia as cantigas de guerra ou de amor que lhe haviam chegado através das gerações. Nada mais singelo, nem mais puro. No etanto, de um dia para outro, sentiu-se grávida. Correu a contar a novidade para o pai, o velho morubixaba. Êste não aceitou, absolutamente, a história que a pobre moça lhe contava, com lágrimas nos grande olhos pretos, doces como jabuticabas. O velho índio sentiu-se enganado e, por todos os meios ao seu alcance, tratou de investigar quem seria o pai de seu futuro neto. Quando chegou o dia do parto, num ambiente carregado, apareceu certo homem branco, daqueles que pela austeridade e pelas atitudes, impunham desde logo confiança. Procurou o velho chefe e lhe disse que, realmente, sua filha se tornara mãe em pleno estado de virgindade. Assim, a jovem índia e sua fihinha encheram o rancho de alegria. Mas ao cabo de um ano, sem qualquer doença, a pequenina Mani (assim se chamava ela) fechou os olhinhos negros e morreu, sendo enterrada nas proximidades do rancho. E, segundo o costume da tribo, sua sepultura era regada todas as manhãs. Certo dia, porém, para surpresa de todos, brotou naquele local uma planta muito bonita a que a mãezinha saudosa, em lembrança da pequenina Mani, deu o nome de Maniva. Desenvolveu-se, deu grossas raízes de leitoso suco. Dela, os índios passaram a tirar o Cauim, bebida que antes era fabricada com outros elementos. E a farinha! A aldeia passou a chamar a planta de Mandioca, em cujo som encontram-se Mani, a criança morta, e Oca, a casa do índio, onde Manivera é aproveitada das folhas às raízes, como símbolo de alegria e abastança”.

foto: Zé Muniz
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Cauim
é uma bebida, fermentada, dos povos indígenas do Brasil, feito da fermentação da mandioca. Pedaços finos de mandioca são fervidos até ficarem bem cozidos e se deixa esfriar. As mulheres se reúnem ao redor da panela; levam uma porção até a boca, mastigam bem, ensalivam e botam a porção em um segundo pote. A pasta de raiz mastigada é posta no fogo, mexida completamente com uma colher de pau até cozinhar, colocada em grandes potes de barro, para fermentar.
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farinha no "cocho" feita no Rio Verde por Dona Cleonice Tobias
foto: Zé Muniz
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Seu Antônio Cardoso, nos cantava a seguinte moda:
“Na Barra de Trepandé / tem um homem se quexando por causa da Mandioca / que o ladrão tava roubando o homem que planta lá / é um homem de pensá ele corta a mandioca / e cepa torna planta”.
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fuso, sendo confeccionado no Utinga por Izidoro Gonçalves
foto: Zé Muniz

desenho de construção do Fuso
Fonte: Alvar e Alvar
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O preparo da Farinha de Mandioca
A Mandioca, após cultivada por cerca de um ano e meio a dois anos, é colhida - a sua rama, decascada, lavada e então vai para o ralador ou "cevadeira", onde um empurra a rama e outro roda o Ralador.


desenho do ralador
Fonte: Alvar e Alvar


ralador ou Cevadeira em Barra de Ararapira
foto: Zé Muniz
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A massa ralada vai para dentro do Tipiti - (cesto feito de timbopeva, uma espécie de cipó, encontrado na mata virgem e caule de folha de brejaúva), onde é expremido debaixo da “Prensa” até ficar seca, enxuta. Abaixo do Tipiti, há uma Gamela, onde cai todo o líquido que escorre da prensagem da massa, chamado de Mandiquera, que após um tempo na gamela, a parte mais grossa vai assentar no fundo – a Goma – restando apenas a Mandiquera, totoalmente líquida.


prensa de farinheira no Rio Verde
foto: Zé Muniz


desenho de prensa
fonte: Alvar e Alvar.
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A massa, retirada do Tipiti, é levada ao forno caseiro, com fogo de chão, onde é “forneado”, sendo mexida, até ficar torrada.
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desenho de forno
fonte: Alvar e Alvar.


forno de Cleonice Tobias Viana (Rio Verde)
foto: Zé Muniz

forno de Iolanda Cunha (Barra de Ararapira)
foto: Zé Muniz
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José Hipólito Muniz e Maria Aparecida Muniz ensinam o preparo da "Renda" ou "Rendinha", como também a chamavam, bem como da Mandiquera:

a renda é feita a partir da goma assentada da Mandiquera. Tempera a Goma com sal e leva no forno já quente para derreter. Faz-se fino e pequeno. Era como uma brincadeira pra comer. Já a Mandiquera, tem que aproveitá numa Gamela, a Mandiquera que sobra da massa prensada, ferve, mais ferve mesmo e pode até colocar um pouquinho de Goma. Depois que esfria fica igual um pudim. Mais é gostoso mesmo”.
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"burro" - outro tipo de prensa - farinheira de Barra de Ararapira
foto: Zé muniz
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Dona Durçulina Fagundes Eiglmeier, nos ensina a dica da "Broinha de Goma":
“Relava a mandioca, exprimia e deixava 8 dias ali a goma com a mandiquera. Azedava a goma né pois não tinha fermento naquele tempo. Punha no sol por 3 dias, enxugava bem enxutinho aquela goma. Depois passa no forno e podia guardá até ano. Misturava a goma com gema e a clara tinha que batê e deixá espumada pra misturá na massa pronta. Amassava bem. Faziam em dois ou três dias antes, era feita latas cheias, preparadas mais no tempo de casamento, batizado ou baile mesmo”.
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Iolanda e Celmiro Cunha no "tráfico" como chamam a Casa de Farinha (farinheira)
Barra de Ararapira
foto: Zé Muniz
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Biju de Mandipuva (ou Mandipuba), por Dorçulina Fagundes Eiglmeier

Arranca a mandioca de ter um ano e meio e escolhe só as grande. Corta o jurupú (parte que liga mandioca na raiz), o talo e risca a mandioca (fazendo cortes, para facilitar no descascar). Fazia uma poça, um buraco, cortava bastante folha de bananeira, forrava bem forrado o buraco, punha a mandioca e água. Daí cobria com as folha da rama mesmo e depois bastante folha por cima e mais terra por cima pra bicho não entra. 3 dia (ou mais dependendo do sol) e tava ela (mandioca) boiando de molinho. Daí a gente tirava dali, lavava na fonte e punha água, levava o tipiti e a gamela. Ia lavando e descascando e bem lavado ali. Aí rala, põe na prensa e deixa mais ou menos bem enxuto, pega soca bem socado, torna a prensa e vai indo, até que fique igual farinha de trigo. Depois faz o biju no forno pra corta tudo em pedacinho. Tem aquele chero forte”.
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desenho de Tipiti
Fonte: Alvar e Alvar.
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... ainda tem os bijús de Goma, de Tapicoa, de Cuscuz, os pirão do Mesmo, de Jacuva, o Escaldado, o Carago, etc... Tudo com farinha de Mandioca - a preciosidade, essencial na vida Caiçara.
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REFERÊNCIAS:
ALVAR e ALVAR, Júlio e Janine. Guaraqueçaba mar e mato. Curitiba: Editora da UFPR, 1979.
POSSE, Zulmara Clara Sauner (org). A Arte das tradições populares. Curitiba: Ed. da UFPR, 1996.
MUNIZ, José Carlos. Guaraqueçaba um pequeno mundo dentro do mundo. obra do autor. inédito.
MUNIZ, José Carlos. Fandango na alma de minha Guaraqueçaba. obra do autor. inédito.
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Para saber mais sobre a lenda:
Afonso Schmidt, baseado em Ciro Dutra Ferreira, Ivo Sanguinetti, J. C. Paixão Côrtes e Luis Carlos Barbosa Lessa, do Centro de Tradições Gaúchas, em Lendas Brasileiras, Livraria Pluma, Porto Alegre. IN: Antologia Ilustrado do Folclore Brasileiro. Estórias e Lendas do Rio Grande do Sul. Gráfica e Editora Edigraf Ltda. São Paulo