"Eu considero Guaraqueçaba um pequeno mundo dentro do mundo"
- Padre Mário Di Maria - (12/07/1974 - entrevista ao Jornal Diário do Paraná)

18 de novembro de 2016

"CAMARÃO VIA AÉREA"

        Certa vez, quando conversava com Osório Costa (In Memoriam), este me falava daqueles que vinham com avião arrastar e comprar camarão em Guaraqueçaba, porém, não conseguia imaginar um hidroavião com tarrafas arrastando camarão pela baia...
        Segue, ilustrando esse fato a reportagem de Franco Rovedo...

*******


        O negócio era no mínimo… Extravagante. Buscar camarão nas enseadas um pouco mais distantes e revendê-los no mercado da cidade. O lucro era alto a ponto de valer a pena fazer o transporte de avião.
        Depois da Segunda Grande Guerra, as aeronaves militares custavam muito pouco. Os americanos queriam se desfazer do equipamento excedente e fazer dinheiro às custas dos parceiros menos industrializados. Assim, no final dos anos 40 ainda havia uma oferta abundante de DC-3, PBY, entre outras aeronaves militares apropriadas para carga. Ninguém mais estranhava aquele pequeno hidroavião na baia de Paranaguá-PR, navegando pelo Rio Itiberê ou atracado no cais do mercado municipal.
        A bordo, uma tripulação pouco convencional. O comandante Zieminski era um polonês que frequentou os céus da Grã-Bretanha pelas asas da RAF, pilotando um caça Spitfire durante o conflito. Logo que a guerra terminou, veio para o Brasil onde adquiriu um avião anfíbio Republic RC-3 SeaBee e pronto a fazer qualquer negócio para começar vida nova. A alma de piloto de caça era evidente nos rasantes e manobras radicais que entusiasmavam os expectadores.
        O outro tripulante era um conhecido comerciante local. Antonio “Neles” Rovedo era bastante querido em toda a região e sua gama de influência perambulava entre grandes autoridades até simples pescadores caiçaras em toda baía de Paranaguá-PR. Seu avô italiano havia sido um dos fundadores da colônia em Superagui e o espírito aventureiro do neto estava no mesmo sangue que correu nas veias de um dos 1000 de Garibaldi durante a unificação da Itália.
        A ideia do empreendimento partiu de Rovedo, a qual o polonês aceitou imediatamente. As contas eram simples e promissoras. Se carregassem apenas 100 quilos de camarão graúdo para o mercado, o lucro já seria fantástico. Se comprado direto do pescador, o comprador pagava menos e a carga era fresca. De avião fariam mais de uma viagem por dia e poderiam chegar a locais aonde ninguém pensava em ir, por ser longe demais para ir de barco e voltar com a carga fresca ainda.

(foto por John Miller)

        Foram meses fazendo voos diários para Guaraqueçaba, Antonina, Superagui e toda enseada onde houvesse a pesca artesanal do camarão pistola. A concorrência fazia a mesma coisa, porém de barco, muito mais lentos que os 220 km/h do anfíbio com seu motor Franklin de 215 Hp. Quanto mais longe buscavam, maiores os camarões e melhor o preço de venda.
        O lucro fácil despertou a imprudência de ambos. A aeronave não parava para manutenção e as gambiarras eram constantes. Aliás, invenções e traquitanas foram a especialidade da qual Rovedo foi reconhecido até o fim da vida. Um exemplo foi quando o sistema do trem de pouso hidráulico foi substituído por uma parte de uma bicicleta e quando era necessário pousar em terra, Rovedo pedalava a engenhoca até baixar o trem e travá-lo com uma chave de fenda.
        Zieminski, confiante em sua habilidade e nas qualidades do SeaBee, aumentava a carga continuamente, mesmo aumentando a distância da corrida na decolagem.
        Os sócios já pensavam em expandir o negócio e planejavam a compra de um bimotor anfíbio PBY-Catalina com muito mais capacidade de carga. Infelizmente não houve tempo de concluir o plano.
        No auge da temporada do camarão, a tripulação exagerou no carregamento e o pobre anfíbio não conseguiu decolar. O trajeto de 15 milhas foi feito navegando tal qual uma sofisticada e veloz lancha, enfrentando a marola e bancos de areia. Infelizmente este tipo de navegação forçou demais os rebites causando sérios danos à estrutura, fazendo do voo com carga um perigo que nenhum dos dois sócios quis enfrentar. Sem aeronave o negócio não existia. Os amigos decidiram então vendê-la e cada um seguiria seu próprio caminho de aventuras.
        Zieminski sabia que havia um operador de dois Seabees na represa de Guarapiranga em São Paulo. Era Herbert Cukurs, a “Águia do Báltico”, um famoso aviador letão que fazia voos panorâmicos ali e em Santos. A ideia de adquirir o PP-DLV era para canibalizar suas peças de forma a manter suas outras duas aeronaves voando. O negócio de Herbert funcionou até 1996 pelas mãos habilidosas de Gunnar Cukurs e seus filhos.

(foto por Len-Eric Aslund)

        Com o dinheiro do negócio e da venda da aeronave, o piloto de caça polonês abriu uma empresa de táxi aéreo, enquanto Neles Rovedo, o inventor comerciante, montou uma destilaria de whisky. (não exatamente legalizada.)
        Passado alguns anos, quis o destino que os velhos amigos voltassem a fazer negócios juntos. O novo empreendimento prosperou por conta do principal cliente do taxi aéreo; um artista famoso do Rio de Janeiro, que encomendava whisky para si e para as festas que promovia. Enquanto todos imaginavam que a bebida era trazida de importadores de Santos-SP, caixas e mais caixas de “Johny Walker Rovedo” eram carregadas no campo de aviação de Paranaguá-PR, fazendo a alegria dos dois velhos companheiros. (Hoje o famoso artista diz que: “Este cara sou eu”).

        Navegando pela internet, descobri com alegria o velho PP-DLV em Boituva-SP, pronto para ser recuperado e voar novamente. Será emocionante ver as asas de tantas histórias novamente cruzando o céu e tocando a água que sempre lhe acariciou o ventre.
        Também será um momento interessante reunir descendentes de três famílias de aviadores e aventureiros. Alguns Rovedo, Cukurs e Zieminski certamente presenciarão o voo inaugural do SeaBee PP-DLV, e também estarão presentes no coquetel a base de camarão e regado a whisky… Legítimo desta vez.
Franco G. Rovedo
franco.rovedo@gmail.com

*******
matéria conforme consta no site <http://canalpiloto.com.br/camarao-via-aerea/ > e devidamente autorizada por seu autor Franco Rovedo, o qual agradecemos.

2 comentários:

  1. Meu caro Muniz.
    É com alegria que leio, novamente, noticias tuas.
    Ótimo esse texto, o qual resgata, novamente, alguma coisa do passado dessa região do Mundo.
    Devo estar ai, em Guaraqueçaba, dias 09 a 11 de Dezembro, participando de mais uma jornada de avistamentos de pássaros, na reserva do Morato.
    Saudades desse lugar mágico.
    Um grande abraço.

    ResponderExcluir
  2. Olá amigo Dittmar... Agradecemos sempre sua visita e divulgação e esperamos que tenha uma boa e agradável viagem rumando Guaraqueçaba... Se acaso avistar um Tangará (Chiroxiphia caudata) na mata, muita atenção, pois conforme a tradição local, sempre há o risco d'ele te levar a se perder, conforme postagem deste blog (Lenda guaraqueçabana - parte II - Tangará, o pássaro fandangueiro). Boa estadia em nossas terras.

    ResponderExcluir

POR FAVOR, ANTES DE COMENTAR LEIA ABAIXO A LÓGICA SIMPLES PARA COMENTÁRIOS... Obrigado por nos visitar, ler, comentar e divulgar - seu novo desafio é se propor a postar - entre em contato...