por Zé Muniz
moradores tradicionais do Rio Verdeentre eles Dona Santina (in Memoriam) - uma das últimas fazedora sdo Amargoso
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foto: Felipe Varanda
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... cinco horas da manhã, portanto pouco antes do sol raiar, mas o suficiente para levantar, pegar o facão, calçar a bota e sair de casa, ainda em “tiruma”, como diriam, ou em jejum, com entendeis... assim, é certo, vai acontecer na Comunidade Quilombola de Rio Verde, amanhã SEXTA-FEIRA-SANTA, ou SEXTA-FEIRA-GRANDE, dando os primeiros passos para o preparo do Amargoso. O Amargo, é uma infusão, colocando-se na cachaça, Alho, Arruda, Guiné, Betarú, chifre de Veado, espora de Arraia e alguns mais, somando 21 ingredientes, plantas, raspas e raízes, estas tiradas no mato, antes do sol nascer e de frente para onde aconteça o alvorecer. Este Amargoso, é o único que aqueles tradicionalistas levam à boca no dia de hoje, pois como seguem a religião Católica e esta pede silêncio e jejum neste dia, lembrando os sofrimentos e a morte de Jesus – alimentam assim esta tradição. Tal conhecimento, em Guaraqueçaba, era praticado pelo Seu Airton Viana (In Memorian), chamado por ele de “Fecha Corpo”, pois serve, acreditam, para fechar o corpo contra qualquer tipo de maldade ou enfermidade, crendo ainda, aqueles do Rio Verde, que é um ótimo remédio, dando imunidade contra picadas de cobra.
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Amargoso
foto: Leandro Diéguiz
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Hoje, na Quinta-Feira - Santa era costume fazer um bonecos representando Judas Escariotes, o traidor de Jesus, e num grupinho de 3, 4 pessoas, a noite, encostavam este boneco nas casas e batiam na porta, se escondendo em seguida e quando a porta era aberta, o boneco, logicamente caia pra dentro. Então se o cara queria brincar, já levava pra outra porta do visinho e aí aumentava o grupo, quando no final o penduravam nos postes, nas ruas e na Sábado - Aleluia, queimavam, espancando antes. Em alguns lugares, o espancamento era no sábado, logo após o sino da igreja (que badalavam ao meio-dia) anunciando o Sábado de Aleluia. Era costumeiro, antes de espancá-lo, ler o "Testamento de Judas", em versos, abominando todas as injustiças e irregularidades da sociedade, mundial, regional e municipal, o que daria algumas tantas laudas, as de Guaraqueçaba.
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boneco do Judas
foto: Acervo UFSC (direitos Reservados)
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Bem como sabemos, na Quaresma não se dança fandango ou outro baile, mesmo que muitos não respeitem isso - alguns acreditam mesmo que dançar nestes dias santos, crie rabo nas pessoas, ta aii o porque de muitas "rabudas" por ai. Nesta época de respeito e silêncio, as violas fandangueiras, após o carnaval, são desafinandas, ensacadas e penduradas de boca pra parede, voltando a serem afindas , antigamente também tinha os abusados, como a Família de Chico Santos, um pessoal que a qualquer motivo estavam a dançar fandango, mas como gostavam... e como eram bons, batedores de primeira, como Hanuar, que rachu um tamanco e levou o apelido de "machado",somente no Sábado - Aleluia, antes do domingo de Páscoa, quando então "desenterram" o carnaval, como dizem, dançando na última casa em que haviam dançado, lá no carnaval. Porém, como muitos não respeitam resolveram dançar na SEXTA-FEIRA-DA-PAIXÃO ou SEXTA-FEIRA-SANTA, dia de completo silêncio... dançaram até de manhã. Mas, foram castigados por desafiarem a tradição, como diz a lenda, foram morrendo aos poucos e transformando-se nos Tangarás (Chiroxiphia Caudata), pássaros muito bonitos, pulando de galho em galho como que a dançar, sempre seguindo um líder, que vai a frente e logo que este dá a despedida com seu canto triste “trrrrchiiii”, todos param de pular. Por ser bonito, as crianças o seguiam no mato e certa vez “um criança foi ver a dança dos Tangarás no mato, foi indo, foi indo e chegou no inferno”, por isso que antigamente os caçadores proibiam as crianças de verem os Tangarás no mato.
Nas modas de fandango, o Tangará também é lembrado, como canta dona Durçulina Fagundes Eiglemeier:
"No domingo bem cedinho
Fui na fonte me lavá
De lá vim admirado
De vê a dança do Tangará”.
Tangará
fonte: autoria desconhecida
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Bem, como vou estar em silêncio profundo e adoração, não posso sair e constatar o que vao acontecer em Guaraqueçaba nesta SEXTA-FEIRA-GRANDE, a seriedade que é levada tal tradição; mas acredito que minha Guaraqueçaba estará também em silêncio, sem ninguém, mas ninguém mesmo, nos bares, nos bailões com nomes sugestivos, ou mesmo bebendo...(bem daí acordei) – UTOPIA de minha parte não – depois reclamam que muitas coisas vão erradas, de mal a pior - e sempre colocam a culpa na maldição do padre (sobre esta história faço uma postagem noutro dia).
FONTE:MUNIZ, José Carlos. Guaraqueçaba um pequeno mundo dentro do mundo. obra inédita. Guaraqueçaba.
colaboração: José Hipólito Muniz, Antônio Cardoso, Durçulina Eiglemeier, Cristiano Tobias Viana, Genésio Viana, Alziro Pontes.
para saber mais sobre o Tangará:
* LEITE. Ofir. “A dança dos Tangarás I” in “estórias e lendas de São Paulo, Paraná e Santa Catarina”, Pg 14-16.
* MIRA. Crispim. “A Dança dos Tangarás II”, In “Estórias e Lendas de São Paulo, Paraná e Santa Catarina”, pg 17 e 18.
Dae pessoal!
ResponderExcluirMuito legal o novo blog de vocês!!!
Está salvo nos favoritos já...
Um abraço a todos;
Renata
Lê, valeu pela força no meu trabalho... logo te peço mais ajuda... rsrsrsrs
Olá, cheguei até aqui por conta do e-mail do Muniz - que eu havia tomado nota no ano passado por conta de um trabalho da faculdade - e achei a iniciativa muito legal.
ResponderExcluirA foto do cabeçalho do blog está linda, a propósito: de quem é?
Li esse post aqui e achei bem interessante mostrar as tradições que algumas pessoas ainda cultivam nessa época do ano.
Só uma me intrigou: a citação do padre ao lado direito do blog está com a data correta mesmo? Lá consta Julho de 2009.
Bem, fora isso, achei bacana!
Até.
Muito Legal o Blog de vcs, fiquei sabendo de coisas que pensei q nem existia em Guaraqueçaba...=] Continuem com esse belo trabalho pq Guaraqueçaba Precisa ser reconhecida e preservada por seus habitantes.
ResponderExcluirAbraço!